sábado, julho 05, 2008

madeira de sândalo

(o que ninguém vê e o que ninguém sente é enfim
esta realidade terrível que se nos apresenta diante
dos olhos. as plantas têm todas hoje um cheiro
distante, doentio. regamos plantas. estamos sós,
um pequeno lago prateado de solidão doentia,
de todas as palavras que esquecemos como dizer.
um pequeno lago prateado de solidão e regamos
plantas nas varandas de pequenos apartamentos
velhos, nos prédios das cidades. os nossos antepassados
morreram todos. o tempo e os animais gastaram-lhes
as fotografias, deixámos de saber endereçar-lhes
palavras. que lugar obscuro habitarão? que frases
saberão dizer? é tarde para muitas coisas, considero,
olho-me ao espelho e esfrego a cara; urgentemente
fecho um parêntesis.)

terça-feira, outubro 30, 2007

1.

o corpo permanece

ângulo imóvel

movendo subterrâneos lentos

sob a fala

ou o som da fala

já não atinge

o corpo

em ângulo

permanece fechado

ou insistentemente rasgado

num voo de pássaro

rápido clarão

longe


de onde quer que seja

longe.

sábado, setembro 15, 2007

quinta-feira, agosto 02, 2007

Presente do indicativo

tenho um coração escuro onde plantar
uma árvore de fios de nylon.
tenho olhos com os quais posso ver
e sentir e chorar e morrer lentamente.
tenho mãos gastas com que compôr
teias de aranha de tamanhos e sabores diversos.
tenho um corpo que se arrasta e sobrevive
e se rodeia de luzes apagadas, vidas vegetais.

domingo, junho 24, 2007

âmbar

tenho boca.não.tenho uma lâmina no lugar dos lábios.
.tenho a noite a morrer-me nas mãos.como a febre.
a amplitude dos olhos.na raíz da lâmpada.a saliva húmida.
tépida.a saliva.e o vómito.

rituais

tenho nas mãos a.incerteza do grito.
o bloco de notas.as feras.o isqueiro.
o cigarro come.me os ossos.as veias
transitam.
na água.o nome.a omnipresença.
de ti.




cláudia ferreira

sábado, junho 23, 2007

a redenção de sofia

vê como chora a puta com a espingarda na boca
como cerra os dentes de ouro contra o soalho
vê como se iluminam as mãos nesse momento
e a ternura se acende no interior dos ossos.


como se entrelaçam os rios e imploram
a lascívia e o fracasso
[a cabeça esmagada entre os joelhos]


cláudia ferreira

quarta-feira, julho 05, 2006

Fogo Nº 8

Há o fogo, e sua ausência eu li nas cartas,
Há o retrato empoeirado sobre a mesa,
A cabeceira das coisas
Nunca é diferente do que eu pensei,
É tudo paciência, é prece, é jogo, eu sei,
Dói feito carne sob as unhas,
Que me atravessam fazendo surpresa,
Rasgando cartas,
Triturando as lembranças de sua letra desenhada,
Letra de mulher, oca e encarrilhada,
Amontoado de coisas.
É tudo um atropelo, um entalo, e nunca sai,
Então seu nome me embaraça enquanto cai,
É pestilência, beijo ardente, mãe e pai,
Cutículas e coisas de mulher.
Há um lugar no espaço onde a mulher se localiza,
Quem sabe uma carta perfumada me saiba ler.
Agora me extravasa, preguiçosa, a brisa,
Também raquéis, marias, lias,
Rondando os pés da mesa,
Passando feito foto, cortando feito carta,
Eu nunca lembro a oração que é certa,
É sempre diferente e eu não notei.
É tudo indiferença, é logro, é outra vez,
Deus ainda insiste em me aparar as unhas,
Pr’eu não arranhar o Filho por detrás da barba.
Eu sigo descascando minha pele até sangrar,
Sigo dormindo cedo, sentindo muito medo,
E quando chove, seu nome cai do céu...